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1 – Conselho da Faculdade de Direito pune estudantes que participaram das ocupações de 2016
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1 – Conselho da Faculdade de Direito pune estudantes que participaram das ocupações de 2016
Com 11 votos favoráveis, 8 contrários e uma abstenção, o Conselho da Faculdade de Direito, reunido na sexta-feira, 23 de março, ratificou a suspensão por 30 dias, aplicada a três estudantes que participaram, em novembro de 2016, do movimento das ocupações contra a Proposta de Emenda Constitucional 55/16.
É a primeira punição aplicada a estudantes por participarem de movimentos sociais, desde o fim da ditadura. A última punição de que se tem notícia foi aplicada em 1977, quando três estudantes foram acusados de colar cartazes no prédio da Faculdade. 1977 foi um dos terríveis anos de chumbo: quando o Congresso foi fechado por 14 dias, por decreto do então presidente Ernesto Geisel; e quando a Polícia invadiu o campus da PUC em São Paulo, e prendeu centenas de estudantes que participavam do 3º Encontro Nacional de Estudantes.
A punição é o desfecho de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado em 2017. Em fevereiro de 2018, o Diretor Danilo Knijnik decidiu pela pena da suspensão. O Conselho foi convocado para decidir sobre recurso impetrado pelos estudantes. Leia mais aqui.
Os estudantes punidos podem recorrer ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE).
Sobre as ocupações de Universidades
Os estudantes da Faculdade de Direito já haviam promovido uma ocupação do prédio em maio de 2014, acusando a ocorrência de fraude em concurso docente realizado em 2013. O concurso foi anulado pelo CEPE após constatação de irregularidades. Leia aqui a decisão do CEPE.
Em novembro de 2016, milhares de estudantes em todo o país participaram das ocupações de escolas e Universidades, contra a PEC 55/16. Na UFRGS, estudantes de mais de trinta cursos decidiram, em Assembleias Gerais, pelas ocupações. Na Faculdade de Direito, os estudantes optaram por uma “ocupação com aulas” e organizaram um registro de entradas e saídas do prédio.
A Emenda Constitucional 95/16, aprovada em 15 de dezembro pelo Congresso, revogou dispositivos que garantem percentuais mínimos de gastos com educação e saúde e congelou os gastos públicos. Leia aqui sobre os efeitos da EC 95/16.
Estudantes promovem ato e vigília durante a sessão de julgamento
Na manhã da sexta-feira, 23 de março, o movimento Ocupa Direito organizou um ato de protesto contra a criminalização das ocupações, que contou com a presença de estudantes de vários cursos, representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE), técnicos e docentes. O ato, realizado no pátio da Faculdade, teve início às 9 horas da sexta-feira, 23 de março. Nas falas, foram denunciadas a perseguição aos três estudantes e várias irregularidades que teriam sido cometidas na instauração e condução do PAD. Também houve várias manifestações de solidariedade.
Às 11 horas, os manifestantes se dirigiram para a sala do Conselho, para testemunhar o julgamento. O Diretor havia anunciado que a sessão do Conselho não seria pública, devido ao caráter sigiloso do PAD. Após os estudantes denunciados informarem que não tinham interesse no sigilo, e na presença de seu advogado, o Diretor autorizou o ingresso de nove manifestantes no recinto. Algumas dezenas de estudantes acompanharam o julgamento de pé, no corredor da Faculdade.
A defesa dos estudantes: sem revanchismo ou perseguições
Após solicitação, foi autorizada a manifestação do advogado Thiago Brunetto, em defesa dos estudantes. O advogado iniciou sua defesa saudando o movimento das ocupações e a coragem dos estudantes que se mobilizaram em defesa da Universidade Pública. Manifestou seu estranhamento diante da punição de três estudantes por encaminhamentos decididos em Assembleia Geral que contou com a participação de mais de quinhentos alunos.
Comentou a severidade da pena aplicada: a suspensão de 30 dias é a maior punição que pode ser aplicada por um Conselho de Unidade. Argumentou que a acusação de coação ou constrangimento é infundada e não corroborada pelas imagens ou testemunhos do movimento de ocupação. Apontou várias irregularidades que caracterizariam uma “exceção processual”, dentre elas: a nomeação da Comissão de averiguação pelo Diretor, sem consulta ao Conselho; a indicação do professor Fabiano Menke, que já se manifestara publicamente contrário aos movimentos de ocupação, para presidir a Comissão; a desconsideração da defesa interposta por um dos estudantes; a prescrição do prazo estabelecido pelo Código Disciplinar Discente para a aplicação de punição.
Concluindo sua fala, o advogado conclamou o Conselho a emitir uma mensagem de distensionamento, de que “na casa de André da Rocha não há revanchismo e não há perseguição”.
O voto convicto do relator
O professor Mauro Andrade, relator do processo, emitiu seu voto, endossando todos os atos da Comissão e refutando todas as alegações de irregularidades.
Quanto à prescrição do prazo, alegou a nulidade dos dispositivos do Código Disciplinar Discente, invocando uma omissão no Regimento da Universidade, e justificou a aplicação das regras do Código Penal. Quanto à inexistência de provas das acusações, o professor alegou que “não houve requerimento de produção de provas”. Isto é, culpou os estudantes por não terem exigido novas provas durante o processo. Também declarou que a “invasão é fato notório e não depende de provas”; que as alegações de “esbulho processório e procedimento ilegal são irretorquíveis”.
Quanto à alegação de que os estudantes estavam defendendo a Universidade, o relator declarou que considera “cômica a inversão de valores, em que o agressor passa a ser visto como mantenedor”; comparou a ocupação a um “golpe de Estado”. Insinuando uma analogia com a Operação Lavajato, argumentou que a impossibilidade de punir a todos os envolvidos não deve ser invocada como defesa para os três acusados: “Se outros todos poderiam, porque esses não podem fazer? Esse é o estado em que está o nosso país.” E arrematou comparando os estudantes a criminosos: “Se todos roubam, eu também posso”.
Declarações de voto pela cautela e respeito às normas processuais
Na continuidade da sessão, foram votados os possíveis impedimentos de participação na votação: do professor Fabiano Menke, presidente da Comissão cuja decisão era objeto de recurso; e do professor Rafael Dresch, que havia atuado como defensor dativo de dois estudantes. Curiosamente, a maioria do Conselho votou contra o impedimento do professor Fabiano e a favor do impedimento do professor Rafael.
O advogado Antonio Vicente Martins, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), declarou seu entendimento de completa nulidade do processo, devido ao cerceamento da defesa dos estudantes e às irregularidades já apontadas. Lembrou que a norma processual deve ser interpretada a favor do réu. Questionou o motivo da incriminação de três estudantes. Em defesa da legitimidade do movimento, lembrou das ocupações ocorridas nos anos 1960 e nos anos 1980, em defesa do Restaurante Universitário e contra o aumento do preço das passagens.
O professor Lucas Konzen, coordenador da Comissão de Pesquisa, leu sua declaração de voto, reiterando o apontamento de violações ao devido processo legal. Lembrou que o Conselho, ao ratificar a composição da Comissão indicada pelo Diretor, não fora informado da natureza das suas atribuições. Argumentou que os prazos de prescrição devem ser respeitados, devido à temporalidade do vínculo discente. Mencionou a necessidade de extrema cautela, e da impossibilidade de se concluir pela punição sem a identificação de condutas e obtenção de provas inequívocas. Argumentou que o Conselho ali reunido era uma instância da Universidade, cabendo o tratamento que é usual entre docentes e discentes. Concluiu propondo que a decisão de punição fosse reformada por insuficiência de provas, com o devido arquivamento.
Palavras cordiais
Na sessão de 4 de novembro de 2016 do Conselho Universitário (Consun), realizada logo após o início das ocupações, o professor Danilo Knijnik, diretor da Faculdade de Direito, referira-se ao movimento estudantil em tom acusatório: “que embora para alguns, os prédios haviam sido ocupados, o que havia na verdade era invasão, esbulho, ato ilícito. […] que talvez houvesse uma hipnose generalizada, ou algo meio catártico, no sentido de que os que seguiam as leis eram colocados em aperturas, mas que aqueles que abertamente as violavam eram elevados ao baluarte da democracia”. Em direção oposta, naquela sessão, com 48 votos favoráveis e 2 votos contrários, o Consun aprovou moção de apoio às iniciativas estudantis. Leia aqui a moção do Consun.
Na sessão do Conselho da Faculdade, no dia 23 de março, o professor Danilo usou palavras cordiais para se referir ao movimento estudantil. Quando a reunião já estava avançada, declarou que ele, Diretor, também era prejudicado pela Emenda Constitucional 95/16; que não cabem, na Faculdade, animosidades de professores contra alunos ou de alunos contra professores; que as movimentações todas sempre teriam lugar naquela Faculdade; que aquele processo não precisaria ter existido, se todos tivessem conversado.
As palavras amigáveis do Diretor não foram acompanhadas de um gesto na direção do arquivamento do processo. O tom cordial também não foi seguido pelo professor Fabiano Menke, que revelou novamente sua repulsa às ocupações, referindo-se aos “espíritos que querem denegrir a UFRGS”.
Na contagem dos votos, foram registrados 8 votos favoráveis ao recurso e 11 votos contrários. Acompanhando Antonio Martins e Lucas Konzen, três representantes discentes e outros três docentes se manifestaram em apoio ao provimento do recurso dos estudantes. Os votos contrários foram dados por três técnicos e oito docentes, aí incluídos o relator, o vice-diretor da Faculdade e o professor Fabiano Menke, presidente da Comissão que propôs a suspensão.
O que se ensina e aprende na Faculdade de Direito?
Na sessão do Conselho da Faculdade de Direito confrontaram-se entendimentos diferentes de como a Universidade pode e deve proceder em casos de denúncias contra estudantes.
Na votação do Conselho, prevaleceu a vontade de tratar a autonomia do movimento estudantil como delito, e de aplicar, a qualquer custo, uma punição exemplar aos estudantes, tentando impedir que novas manifestações e ocupações aconteçam. Mas também se manifestaram vozes em defesa da legitimidade do movimento e, sobretudo, em defesa do direito de ninguém ser punido sem provas, sem direito de defesa e sem a observação das normas processuais. Entre essas vozes, além dos próprios estudantes, estão egressos da Faculdade de Direito da UFRGS.
Ao final da sessão, os estudantes que testemunhavam a sessão gritaram: “Vergonha!”. Nos corredores da Faculdade, os estudantes também aprendem a manifestar sua indignação contra as injustiças.
Os danos causados pelo PAD
O movimento de ocupações se encerrou, em 2016, sem registro de violência ou dano ao patrimônio da Universidade. O PAD já acarreta um importante prejuízo aos três estudantes acusados.
O CEPE não poderá reparar esse prejuízo, mas poderá acolher o recurso, impedindo a legitimação dessa injustiça e retirando a UFRGS do topo da lista das instituições que perseguem estudantes.
2 – Ouça o Voz Docente pela Internet
- OuçaAQUIo programa nº 12/2018, do dia 21 de março de 2018
No Roteiro:
– Conversamos com a vice-diretora da FACED, professora Magali Mendes de Menezes, sobre o curso “Educação no tempo presente: o golpe de 2016 e suas diferentes faces”;
– Nosso comentarista Conde Pié também ficou chocado com a execução da vereadora Marielle Franco e presta a sua homenagem.
Notícias Expressas
1 – Reitoria da UFRGS e movimento negro firmam acordo
2 – O orçamento para a Educação despenca em 2018
3 – Manifestações homenageiam Marielle Franco e exigem investigação do assassinato
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Voz Docente é semanal, produzido pelo ANDES/UFRGS, em parceria com as Seções Sindicais da UFPEL e da FURG, e radiodifundido às quartas-feiras, às 13h00, na Rádio da Universidade, 1080 AM ou on-line: http://www.ufrgs.br/radio/
Seção Sindical do ANDES-SN: sindicato de verdade!
– Ensino Público e Gratuito: direito de todos, dever do Estado!
– 10% do PIB para Educação Pública, já!
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